RIO
Família e amigos de jovem morto em Magalhães Bastos relatam os momentos de aflição
PM foi preso em flagrante após disparar tiros de pistola em adolescentes que faziam barulho perto da casa dele
RIO - Era para ser apenas mais uma travessura de meninos. Desobedecendo à orientação do treinador Sérgio Murilo, os garotos da escolinha comunitária do Professor Biju, em Magalhães Bastos, Zona Oeste do Rio, não voltaram direto para casa após o treino da noite de terça-feira. Seguiram para a Rua Laranjeiras do Sul, um conhecido ponto de encontro da garotada, para brincar de pique-esconde. Antes que a contagem regressiva para a brincadeira chegasse a zero, três adolescentes subiram ao teto do posto de saúde da rua. Neste momento, o cabo PM Pedro Henrique Machado de Sá, que mora em frente ao local, surgiu no portão armado e disparou pelo menos três tiros de pistola na direção deles, acabando com a algazarra e com a vida de um dos adolescentes.

Ryan Teixeira do Nascimento, de 16 anos, que sonhava ser atacante do Flamengo, foi baleado na barriga e agonizou por mais de duas horas no telhado do posto, até ser encontrado pela mãe.

"CORAÇÃO DE MÃE SENTE"

Até os vizinhos descobrirem que um crime muito grave havia ocorrido demorou um bom tempo. Após os disparos, os meninos correram cada um para um lado, voltando para suas casas, sem perceber que um ficara caído. Eles não contaram aos pais o que havia ocorrido, mas, depois que a mãe de Ryan, Érica, começou a telefonar de casa em casa procurando pelo filho, a história veio à tona. Ao baterem na casa do professor Biju, o filho dele, que também participara da brincadeira, contou ao pai sobre os disparos.

— Coração de mãe sente. Ela estava muito aflita e, ao saber da história, começou a dizer que o filho deveria estar no telhado. Neste momento, ela pareceu ter certeza — disse Biju.

Ryan foi retirado do telhado ainda com vida, mas morreu à espera da ambulância. À medida que os amigos de aventura iam sabendo de sua morte, um grande sofrimento foi tomando conta de todos:

— Ele deve ter ficado sem forças para pedir ajuda. Ninguém ouviu nada. Um dos colegas voltou ao local, alguns minutos depois da confusão, para pegar o chinelo que ficou para trás na fuga. Mas não sabia que Ryan estava ali, no telhado. Ninguém sabia — contou C., de 18 anos, que fugiu dos tiros, mas voltou em seguida para ajudar um outro colega, que chegou a ser capturado pelo policial em fúria.

— A gente chamou o pai de outro menino para provar que a gente só estava brincando, que não estava fazendo nada de errado — contou o amigo, para depois concluir: — Se ele queria assustar a gente, era só gritar ou até atirar para o alto. Não precisava atirar na gente.

Uma equipe da Delegacia de Homicídios (DH) da capital foi ao local e, depois de ouvir testemunhas, localizou a residência do cabo. Ao receber voz de prisão, o policial confirmou ter feito os disparos e alegou que os adolescentes “estavam fazendo uma algazarra” em frente à sua residência.

Cabo Pedro Henrique Machado de Sá: o policial atirou só porque se aborreceu com o barulho de brincadeira de pique-esconde - Divulgação

De acordo com a Polícia Civil, “o preso atirou contra as vítimas e outros dois adolescentes por motivo fútil ao se aborrecer com o barulho feito por eles”. Pedro Henrique de Sá — que é lotado na 1ª Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) — foi autuado em flagrante pelo homicídio de Ryan e por tentar matar os outros jovens, que não se feriram. Polícia Civil destacou, ainda, que “foram ouvidas cinco testemunhas que apontaram, em uníssono, Pedro Henrique como autor dos delitos imputados”.

Ontem, enquanto aguardava a liberação do corpo do filho, Alberto da Silva do Nascimento contou que a mãe de Ryan ligou por volta de 22h40m, preocupada com a demora do menino:

— Ryan passou a viver com ela há uns cinco meses, depois que eu perdi o emprego. Ela me ligou ontem à noite, nervosa, porque Ryan ainda não tinha retornado da aula de futebol. Começamos então a procurar para tentar saber o que tinha acontecido.

Revoltado com a morte cruel e inexplicável do filho, o pai desabafou:

— Se eu pudesse fazer justiça, eu faria, mas aí eu estaria do mesmo lado que ele (o PM).

Ryan era aluno do ensino médio, sempre morou na região e era amigo de infância da maioria dos meninos. Josefa Lúcia dos Santos, mãe de um dos adolescentes que estavam em cima do telhado junto com Ryan, estava inconsolável:

— Ainda estou ouvindo a voz dele, no início da noite de ontem, chamando meu filho no portão para ir à aula do professor Biju. Eles viviam para cima e para baixo juntos. Estudavam na mesma escola, tinham os mesmos amigos e jogavam futebol. Será que este homem não tem família? Será que ele não sabe o que fez, que acabou com a vida de uma família inteira?

Segundo ela, o filho está em choque:

— Ele correu do telhado com medo, não viu que o amigo havia sido atingido. Quando ficou sabendo, já era de madrugada. Ele está destruído.

craque de bola

Fundador da escola de futebol comunitário que leva seu apelido, o bombeiro militar aposentado Sérgio Murilo, o Biju, fundou a escolinha há 18 anos, para ajudar meninos da região. Na quarta à noite, ele chegou a avisar a Ryan que deveria voltar para casa imediatamente, já que morava mais distante do campo de futebol:

— O Ryan era inteligente, educado, estudioso e jogava muita bola.

19/07/2018
Fonte: Elenilce Bottari
 
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