Um dia após o prefeito Marcelo Crivella dizer que “a Defensoria não tem moral para pôr o dedo na cara” dele, em resposta a críticas à Saúde feitas pelo defensor público da União, Daniel Macedo, repórteres do EXTRA foram visitar hospitais do município e se depararam com uma trágica rotina: falta de médicos e de materiais e insumos. Na porta dessas instituições, pacientes esperam por horas e, muitas vezes, em vão, só restando a eles dar início a uma via-crúcis, de emergência em emergência, em busca de atendimento.
Dentro, os corredores viram enfermarias, com doentes amontoados em macas. Os três hospitais visitados, Salgado Filho, no Méier, Albert Schweitzer, em Realengo, e Evandro Freire, na Ilha, têm em comum o drama da saúde pública no Rio. O Salgado Filho, por exemplo, enfrenta séria superlotação. O quadro do Albert Schweitzer é ainda mais crítico: com funcionários sem salários, os atendimentos foram reduzidos à metade, o que levou ao fechamento de 20 leitos só na UTI, que já funcionava precariamente. A mesma crise atinge o Hospital Evandro Freire, única emergência para 14 bairros da Ilha, que também está com repasses da prefeitura atrasados.
Crivella irritou-se com a Defensoria que propôs a ele decretar estado de calamidade na saúde. Mas o prefeito trabalha com uma perspectiva sombria para a saúde em 2019: haverá uma queda de 12% no seu orçamento, de R$ 6,01 bilhões para R$ 5,28 bilhões.
Ontem, com fortes dores na perna, após sofrer uma queda, a aposentada Raimunda Pereira, de 66 anos, esperou 40 minutos dentro do táxi diante do Salgado Filho. Ela viveu a angústia de saber que a unidade não tinha sequer uma cadeira de rodas para levá-la à emergência.
— É um absurdo não ter uma cadeira. A minha perna está inchada, e eu não consigo andar — reclamou.
Quando, enfim, seu marido, de 73 anos, conseguiu uma cadeira, Raimunda enfrentou outro drama da rede: a superlotação. Eram pelo menos 22 pessoas em macas e cadeiras internadas no corredor da emergência. Nenhum dos doentes tinha a roupa de cama do hospital. Nas duas salas amarelas — cada uma com capacidade para sete pacientes em estado menos grave —, havia 23 homens e 23 mulheres espremidos. Em meio ao caos, enfermeiros circulavam gritando o nome do paciente na hora do medicamento, pois não conseguem saber onde cada um deles se acomoda.
— Estou aqui desde domingo. Quebrei o pé e preciso operar, mas não tem vaga — contou um paciente, numa maca no corredor.
Segurando a gaze para conter o sangue que escorria de um corte na cabeça e com suspeita de fratura na perna, a pensionista Maria de Lourdes Cruz, de 64 anos, deixou ontem o Evandro Freire, sem socorro médico. O aparelho de raios X estar parado, e metade dos funcionários está de braços cruzados devido a atraso de salários. Na UPA de Manguinhos, outro revés.
— Estava tão lotada, que não dava para entrar. Fomos para um hospital particular em Olaria. Mas a consulta era R$ 500, não dá para a gente. Deixei-a no Hospital Estadual Getulio Vargas e fui trabalhar como motorista de Uber — lamentou o genro, Bruno Freitas.
Com pneumonia, Clarinda Barboza Braz, de 76 anos, chegou ao hospital da Ilha segunda à noite e conseguiu vaga numa cadeira reclinável.
— A sala amarela está lotada. Vi muita gente aqui sendo recusada — contou a filha, Renata Barboza, de 41.
Rede municipal à míngua
Este ano, a prefeitura deixou de repassar mais de R$ 300 milhões às OSs que são administram UPAs e hospitais. E o município já anunciou corte 12% no orçamento da Saúde em 2019.
Funcionários de postos e Clínicas da Família estão com salários atrasados. E, além disso, 388 leitos de enfermaria estavam bloqueados em nove hospitais.
Em resposta, a Secretaria municipal de Saúde diz que os repasses para as OSs estão em processo de regularização.
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