Milena, mãe de uma bebê de cinco meses, vive a angústia de não saber por quanto tempo ainda terá a filha em seus braços. Ela é uma das oito detentas que cumprem pena na Unidade Materno-Infantil (UMI), em Bangu, na Zona Oeste do Rio.
Assim como ela, outras 697 mulheres vivem a dor de estar atrás das grades e com filhos menores de 12 anos do lado de fora da prisão, de acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro (Seap).
Atualmente, 1.883 mulheres estão encarceradas no estado - 37% delas, portanto, têm filhos com até 11 anos e 11 meses de idade.
Neste mês de fevereiro, completa um ano a decisão do Superior Tribunal de Justiça que determinou que a ex-primeira-dama do Rio de Janeiro Adriana Ancelmo, esposa de Sérgio Cabral, cumprisse pena em prisão domiciliar.
Um dos argumentos levados em consideração quando ela foi solta, em decisão de dezembro de 2017 do juiz Gilmar Mendes, foi o fato de que ela tinha um filho menor de 12 anos.
Recentemente, o G1 visitou a unidade do sistema carcerário do Rio de Janeiro onde as presas que têm bebês ficam nos seis meses seguintes ao nascimento das crianças para amamentar. Este período pode ser prorrogado, levando em consideração a necessidade das crianças e a proximidade do fim da pena das detentas.
Além do bebê, Milena tem outros quatro filhos, atualmente aos cuidados da mãe e do ex-companheiro do lado de fora da prisão. Dos cinco filhos, quatro têm menos de 12 anos. As detentas argumentam que a celeridade no julgamento da esposa do ex-governador não vale para elas.
“Às vezes a gente fica meio desacreditado, porque a lei que existe para uns não existe para todos. Pesa mais para uns do que para outros”, explicou Milena.
A detenta cumpre pena por tráfico de drogas e associação ao tráfico. Segundo ela, se envolveu por oito meses com um homem com quem passou “apertos” e teve medo de terminar o relacionamento.
Milena ficou presa por cinco meses após ser detida e obteve o benefício do cumprimento da pena em regime semiaberto. E, durante dois anos e dez meses, cumpriu a rotina de sair da prisão, onde dormia às 5h e voltar às 20h. No intervalo em que estava nas ruas, ela trabalhava como caixa de supermercado e estudava.
“Meu marido veio para o Rio e a gente ficava junto no período que eu não estava trabalhando. Aí eu engravidei. E aí foi cortado o benefício. Porque eu não podia trabalhar grávida”, explicou Milena.
O fato de ter outros filhos menores e de trabalhar com carteira assinada não pesou na decisão de mandá-la de volta para a cadeia. Da unidade onde cumpria a pena em regime semiaberto, ela foi transferida para a Penitenciária Talavera Bruce, que conta com uma unidade especializada para receber gestantes.
Depois de dar à luz, ela foi levada para a Unidade Materno-Infantil, onde há vagas para 20 detentas com bebês. A UMI foi criada nos moldes como existe hoje em agosto de 2005, mas a existência de uma unidade penitenciária para mães que acabaram de dar à luz é antiga.
O local existia anteriormente com o nome de Creche Madre Tereza de Calcutá desde outubro de 1966 e pertencia à Penitenciária Talavera Bruce.
Em todo o sistema carcerário, as mulheres são uma parcela pequena e representam somente 3,7% do total, distribuídas em seis unidades prisionais femininas.
Extensão da medida
De acordo com Rafael Borges, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-RJ, conta que já houve discussões se a lei usada na argumentação do ministro Gilmar Mendes valeria somente para presas que aguardavam julgamento.
“Rigorosamente, a lei não deixa isso muito claro. O artigo 318, incisos IV e V do CPP (alterado pela lei q vc menciona) prevê que esse direito será concedido na fase da prisão preventiva. Existe um debate se a 'fase da prisão preventiva', neste caso, também abrangeria presas sentenciadas em primeira instância", destacou o advogado.
Mas, segundo ele, o Supremo Tribunal Federal decidiu a questão em uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski.
"O STF resolveu essa questão ao julgar o HC 143.641. Ficou estabelecido que a prisão domiciliar deve ser garantida até o trânsito em julgado da condenação. Ou seja, a gestante ou mãe de filho menor de 12 anos só pode ser levada à cadeia depois que não existirem mais recursos disponíveis”, completou Rafael.
Aplicação da lei
A diretora da unidade, Mariana Alexandre, reconhece que as presas se indignam e consideram que a Justiça não aplica a mesma atenção a elas e a presas com poder econômico como Adriana Ancelmo.
“Elas ficam revoltadas porque elas acompanham as notícias e veem que em determinados casos as coisas acontecem mais rápido e elas se sentem esquecidas. Às vezes demora um ano para ter uma condenação, meses para se analisar algum tipo de recurso. É inevitável que elas se comparem. Em contrapartida, a gente vê que melhorou muito. O efetivo da UMI variava entre vinte e poucas presas. Hoje estamos com sete. A coisa está acontecendo, talvez não no ritmo que elas desejassem”, destacou a diretora.
Outro destaque é o Marco Legal da Primeira Infância, usado pelo ministro Gilmar Mendes na argumentação para tirar Adriana da cadeia. Para Mariana, a Lei 13.257, de 8 de março de 2016 (sancionado pela então presidente Dilma Rousseff) deu mais clareza à aplicação da regra para magistrados de outras instâncias.
Outra interna que passou o período pós-gestação no local foi Luana, de 22 anos. Ela foi condenada a dez anos e oito meses por assaltar um ônibus com três rapazes da comunidade onde morava. Ela conta que estava grávida de quatro meses, seguia o pré-natal e, de repente, se viu abandonada pelo companheiro.
“Eu estava passando muita dificuldade porque o pai do meu neném me largou para ficar com outra mulher e tirou quase tudo da minha casa, eu estava sem nada. Eu estava vivendo desesperada”, destacou Luana.
Além da bebê que deu à luz, hoje com oito meses, Luana também tem outros dois filhos, menores de 12 anos. Pouco tempo após a gravação do depoimento para o G1, Luana passou por um dos períodos mais dolorosos: deixar a criança viver a vida fora das grades. No caso dela, a avó cuidará da criança até que ela seja liberada para cumprir pena no regime semiaberto. “Eu fico muito triste porque o meu filho vai embora e eu vou ter que ficar aqui”, lamentou.
Atualmente, ela não está mais na UMI. Ao entregar a criança, teve que voltar a uma unidade prisional regular. Com oficinas de culinária no currículo, ela pretende investir na carreira de cozinheira quando tiver o benefício da prisão semiaberta, previsto para este ano.
A diretora da UMI destaca que existem regras para o recebimento do benefício que acabam fazendo com que algumas presas não recebam a oportunidade da prisão domiciliar. Entre elas está a de que a detenção não pode ocorrer por crime de grave ameaça.
Regras rígidas
Apesar da aparência de uma residência coletiva, a UMI tem regras rígidas. A unidade abre às 8h30 e as detentas ficam livres para circular nas dependências e no jardim, onde há uma horta, com as crianças até 17h. A partir daí, elas só podem permanecer entre os berçários, banheiro e refeitório, por necessidade das crianças.
Outra mãe da unidade é Ana Beatriz. Ela foi presa pelo roubo de um ônibus executivo que deixava o aeroporto na companhia de um grupo de outras três pessoas. Eles levaram cordões e celulares. Condenada a dez anos e dois meses, ela foi inicialmente levada para o Presídio Nelson Hungria. Lá, fez exames que comprovaram a gestação.
“Tem hora que o desespero bate. Eu não tenho filho lá fora. Tenho a minha filha aqui dentro, que tive no cárcere. Nunca imaginei ter uma filha presa. E às vezes olho para ela e vejo que está crescendo. Vejo o tempo passar, o tempo que ela vai ser desligada de mim. O tempo que eu vou perder dela crescendo”, destacou Ana.
Dentro da prisão, as detentas têm acesso a aulas de cuidado com plantas, artesanato e culinária. Outro projeto as ajuda a reduzir a pena por meio da leitura. As obras podem ser lidas em um mês e, depois desse prazo, elas escrevem uma resenha. Caso obtenham um bom desempenho, a pena pode ser reduzida em quatro dias.
“A melhor forma de fazer com que elas repensem a vida delas e mudem de vida e sigam no caminho certo é através da maternidade. A gente tenta fazer com que aflore dentro delas esse instinto materno. Ainda que elas não façam por elas, que elas façam pelos filhos”, explicou Mariana Alexandre.
O caso
Em dezembro de 2017, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, substituiu a prisão preventiva de Adriana Ancelmo por domiciliar. Ela havia sido presa pela primeira vez em 2016, em um desdobramento da Lava Jato.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), ela ocuparia “posição central na organização criminosa capitaneada por seu marido”. O ex-governador Sérgio Cabral foi preso na mesma operação.
Na análise do pedido da defesa de Ancelmo, o ministro Gilmar Mendes argumentou que a prisão de mulheres grávidas ou com filhos sob os cuidados delas é “absolutamente preocupante”. Os dois filhos de Adriana na época tinham 11 e 15 anos.
Por isso, argumentou o ministro, alternativas à prisão devem ser observadas para não haver "punição excessiva" à mulher ou à criança.
"No presente caso, a condição financeira privilegiada da paciente [Adriana Ancelmo] não pode ser usada em seu desfavor. Observo que o crime supostamente praticado pela paciente, muito embora grave, não envolve violência ou grave ameaça à pessoa. A paciente esteve por meses em prisão domiciliar, sem violar as regras estabelecidas pelo juízo. A sentença reconheceu a desnecessidade de um regime mais rigoroso", sentenciou Mendes.
A 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão que determinou que a mulher do ex-governador permanecesse presa em casa por 3 votos a 1. O voto contrário foi da ministra Maria Thereza de Assis Moura, que argumentou em sua decisão que Adriana Ancelmo, antes de ser presa, havia viajado 47 vezes para o exterior com Cabral sem a presença dos filhos.
Ela também destacou que as investigações mostraram que o ex-governador tinha uma secretária que recebia até R$ 20 mil por mês para exclusivamente cuidar das crianças.
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